Roberto Paveck é economista e acadêmico, especialista em inovação e gestão portuária, além de ser colunista do PortalPortuario
As novas tarifas anunciadas pelos Estados Unidos, que atingem produtos de cerca de 180 países, me fizeram revisitar um discurso de Ronald Reagan que, em 1988, ao assinar um tratado de livre comércio com o Canadá, declarou: “Aqui na América, ao refletirmos sobre as muitas coisas pelas quais temos que ser gratos, devemos reservar um momento para reconhecer que um dos principais fatores por trás da grande prosperidade da nossa nação é a política de comércio aberto, que permite ao povo americano trocar livremente bens e serviços com pessoas livres ao redor do mundo”.
Reagan foi direto ao associar a força da economia americana à liberdade de comércio e à rejeição ao protecionismo. Citava Adam Smith e a “loucura” das barreiras comerciais, apontando como os países que se abriram ao mundo prosperaram — enquanto os que se fecharam ficaram para trás.
Por isso, surpreende ver o atual governo norte-americano seguir por um caminho que parece contradizer essa lógica histórica. As novas tarifas têm como justificativa o déficit comercial dos Estados Unidos com determinadas nações, uma métrica que, isoladamente, diz pouco sobre os reais benefícios das trocas internacionais.
Tomemos como exemplo a importação de terras raras — minerais essenciais para a produção de baterias, motores elétricos e componentes usados na indústria automobilística. Muitos desses insumos vêm justamente de países com os quais os EUA mantêm déficits comerciais. Ainda assim, são essenciais para que a indústria local produza bens de alto valor agregado, depois exportados para o mundo inteiro. Aplicar tarifas a essas importações pode, na prática, enfraquecer a própria competitividade americana.
Além disso, políticas como essa podem gerar efeitos colaterais importantes no comércio internacional, especialmente no transporte marítimo e nos portos. Tarifas elevadas reduzem o volume de trocas, desestimulam investimentos logísticos e afetam diretamente o planejamento de rotas, a previsibilidade dos fluxos e a competitividade dos terminais portuários. Em um mundo onde a eficiência logística é diferencial competitivo, medidas protecionistas caminham na direção oposta ao desenvolvimento sustentável do setor.
É improvável que estejamos diante de uma ruptura definitiva com o livre-comércio. Tudo indica que se trata de uma estratégia para renegociar acordos em melhores condições. Mas há um limite tênue entre a tática e o retrocesso. Até que ponto usar o comércio como arma de pressão não prejudica justamente a base do sucesso americano?
Reagan encerrou aquele discurso lembrando que, desde 1776, os Pais Fundadores já viam o livre-comércio como um princípio digno de defesa. A prosperidade americana nasceu dessa escolha — e continua enraizada na liberdade para empreender, produzir e negociar.
Talvez seja hora de revisitar esse legado antes que o preço do protecionismo precise ser pago.